segunda-feira, março 27, 2006

Dar sangue é para hereges!

Hoje, ao divagar pelas ruas de Lisboa em mais uma missão de combate ao crime e à maldade em geral, dei por mim numa zona nada recomendável da nossa bem-amada capital. Caminhava cautelosamente, atento ao perigo iminente, quando me deparei com uma visão aterradora, que me gelou o sangue nas veias: uma carrinha, de aspecto demoníaco, de onde emanava uma inexplicável sensação de maldade, estava parada junto a uma esquina sombria. Do seu interior, chegavam gritos aterradores, emitidos por seres humanos sujeitos a sabe-se lá que tipo de torturas, misturados com outros sons, distintamente diferentes de tudo o que tinha ouvido até hoje - e provavelmente não humanos - que denotavam uma estranha e cruel alegria. Ambos os lados da sinistra carrinha exibiam uma cruz pagã, vermelho sangue, e uma inscrição arcana, que consegui ler a custo: "Posto móvel de recolha de sangue".

Uma estranha, mas bem conhecida, reacção tomou conta do meu corpo bem treinado: os níveis de adrenalina subiram, os músculos retesaram-se e os meus sentidos apuradíssimos, de predador habituado aos perigos da caça, entraram em alerta vermelho! Os estudiosos do fenómeno dos super-combatentes do crime e da maldade em geral, designam este estado de total atenção e preparação para o combate iminente, por cagufa extrema!

Assumi uma pose felina altiva e emiti um rugido desafiador e prolongado, procurando afugentar os inimigos e convocar os meus aliados, para o combate que, adivinhava, estava próximo:
- RAAAAAAAAAU…

Nessa altura, de dentro da carrinha, saiu uma estranha e demoníaca criatura. Alta, pálida como um cadáver, lábios vermelho vivo e um brilho demente no olhar, vestia uma espécie de uniforme branco todo salpicado de sangue, ostentando a mesma cruz pagã que já tinha visto na carrinha. Na mão, trazia uma seringa atestada de sangue até acima, que, dadas as dimensões, mais parecia um extintor. “Devem estar a fazer recolhas de sangue a mamutes”, pensei, “porque ali cabe o sangue de 2 equipas de futebol e ainda sobra espaço para o dos árbitros”.

Com uma voz aguda e estridente, de timbre tão inexplicavelmente maléfico que só poderia ter sido resgatada às mais obscuras profundezas do inferno, interrompeu-me os pensamentos e o rugido:
- Dói-lhe alguma coisa?
- ...aaaaaaauuuuu... desculpe? – Inquiri, desprevenido.
- Está aí no chão, de gatas, a berrar como um cabrito chorão, a pedir leite…perguntei, se lhe dói alguma coisa? É que sou enfermeira e talvez possa ajudar…

Enfermeira! Claro! Como é que podia ser tão estúpido? Agora tudo fazia sentido! Levantei-me imediatamente, humilhado por não ter percebido logo. Murmurei umas desculpas atabalhoadas e preparei-me para bater em retirada.

Já tinha ouvido inúmeras histórias sobre estas auto-designadas "enfermeiras", criaturas malditas, nem vivas nem mortas, banidas do inferno por Satanás em pessoa e condenadas a beber sangue humano para sobreviver. Eram demasiado poderosas, até para mim! A única saída era a retirada estratégica! Live to fight another day, é o meu lema!

Assim, foi num estado de terror quase incontrolável, com suores frios a correr pela testa e a tremer convulsivamente, que comecei a afastar-me, com todas as cautelas. Do posto móvel emanava o fedor inconfundível do medo em estado puro! Um cheiro que só me lembro de ter sentido à porta de uma sala de torturas vietcong, num verão longínquo de 1967 e no acesso aos baleneários dos visitantes, na Catedral da Luz, quando lá vão jogar os adversários do glorioso.

Fui-me afastando lentamente, até que ouvi a voz por trás de mim outra vez, o que me fez gelar, da ponta dos pés à ponta dos cabelos:
- Se não está doente, não quer vir dar sangue? Não custa nada, ajuda os outros e ainda ganha uma sandes…

Voltei-me e vi a harpia, lambendo as beiças, gulosa, sedenta do meu sangue, e com o mais demoníaco dos sorrisos nos lábios. Já com um extintor vazio na mão e com a agulha apontada na minha direcção, dirigia-se a mim de forma ameaçadora.

Nessa altura corri! E corri como nunca tinha corrido na minha vida, veloz como uma chita na savana! No início ainda lhe ouvia os urros, atrás de mim. Depois deve ter desistido, incapaz de acompanhar a minha velocidade felina. Só parei no único lugar seguro a que um alfa-macho altivo pode recorrer, quando enfrenta uma ameaça desta dimensão e é forçado a fugir com o rabo entre as pernas: um tasco acolhedor, junto à influência protectora e benigna de uma boa imperial!

Lá, recuperei a calma e pude pensar no que me tinha acontecido. E a verdade, meus amigos, é que a conclusão é simples: um homem não foi feito para dar sangue! Há que encarar os factos de frente!

Não sou crente, nem costumo fazer citações de cariz religioso, excepto quando me dá jeito, e é por isso que digo que se Deus Nosso Senhor Jesus Cristo quisesse, na sua infinita e divina sabedoria, que o homem desse sangue ao seu semelhante, tinha-o equipado com uma torneira! E o que é facto é que não equipou. Isso faz dos dadores uma cambada de hereges, que vão arder no inferno!

Também não sou budista, nem costumo citar filósofos orientais, excepto quando as citações de cariz religioso não foram convincentes, e é por isso que lembro que Confúcio dizia "não dês um peixe a um homem, mas ensina-o antes a pescar"! E, meus amigos, quem sou eu para desafiar a sabedoria do mestre e dar o peixe, ainda para mais quando o pescador usa uma seringa dotada de uma agulha gigantesca, que mais parece um oleoduto iraquiano, em vez de uma inofensiva rede?

Não, meus amigos, o meu sangue não levam eles! E podem oferecer quantas sandes quiserem!

terça-feira, março 14, 2006

O regresso

Como dizia um grande filósofo contemporâneo a quem ensinei tudo o que sabe, soube, ou virá um dia a saber, Deus dá com uma mão e tira com a outra, preservando com divina ciência o equilíbrio de todas as coisas.

Num dia o Benfica vence o Liverpool, em Anfield Road, por uns históricos 2-0 e, no dia seguinte, o Cavaco toma posse e passa a ser o presidente de todos os portugueses, apesar de não saber ler, escrever, ou encadear dois pensamentos num raciocínio coerente, sem ajuda da Maria.

É o Yin e o Yang, as duas faces da mesma moeda, o equilíbrio cósmico, blah, blah, blah.

O que interessa, é que tudo isto afecta a disposição e a alma do Blogueiro, que é um gajo sensível (embora de uma masculinidade inquestionável, efusiva e transbordante).

A tristeza toma-lhe conta dos pensamentos, fica sem paciência para iluminar o povão com a sua sapiência e ele - o povão - emburra, como se tivesse levado 50 marretadas na cabeça!

O Blogueiro começa a beber cerveja - para esquecer - a descurar os seus deveres bloguísticos e a colocar menos empenho nas 4 horas diárias de exercício físico intenso que costuma praticar (que lhe permitem manter um físico perfeito). A castigar o desleixo, duas ou três moléculas de gordura, implacáveis, contaminam o corpo perfeito... o peso sobe 3 gramas e a beleza é maculada!

É a catástrofe total!

O povo chora a queda de um ídolo e, nas ruas, mulheres aos gritos arrancam os próprios cabelos, enlouquecidas! Os carros ardem, as lojas são saqueadas e o som de tiros e gritos é uma constante. Grassa o pessimismo, o crescimento económico esfuma-se e a miséria espalha-se pelo país, como uma praga bíblica.

E as crianças, o futuro da nação, ficam sem uma referência para imitar e tentar seguir as pisadas.

A nação não tem futuro...

Não pode ser! E é por isso que, hoje, o Blogueiro decidiu reerguer-se das cinzas, não cair na tentação de usar imagens muito batidas envolvendo pássaros mitológicos no churrasco, e retomar a actividade literária! E a um ritmo nunca antes visto!

Com confiança! Pelas crianças! Pela nação!