terça-feira, fevereiro 07, 2006

De "Os manuscritos da casa de banho do Colombo"

Para quem, como eu, só consegue aceitar a ida do grunho de boliqueime para Belém, com o auxílio de uma religiosidade pujante e recém-descoberta, associada a um consumo frenético e ritmado de alucinogénicos potentes, anfetaminas poderosas e outros estupefacientes de efeitos variados, deixo aqui alguns extractos do antigo testamento. Estas sagradas palavras foram retiradas de um conjunto de antiquíssimos manuscritos que encontrei numa casa de banho do Colombo, numa das minhas expedições arqueológicas à zona de Benfica.

Para maior comodidade, passarei a referir-me a eles como "Os manuscritos da casa de banho do Colombo".

Espero que a força espiritual destas palavras, há tantos anos escritas, nos ajudem a todos a recuperar a esperança perdida e a esquecer este Portugal Maior, sem o precioso auxilio de químicos. Com o IVA a 21% e o custo de vida a crescer de dia para dia, quem tem dinheiro para comprar Ecstasy de qualidade, ou LSD como deve ser? A um preço razoável, só Deus nos pode ajudar!

Vamos ler... e oremos ao Senhor!

No princípio era o verbo e o verbo era Deus e Deus era o verbo e havia verbo e Deus.

E Deus, não o verbo, cansado de tanta gramática, resolveu criar o homem, moldando-o à sua imagem e semelhança.

Criou também o jardim do Éden, repleto de abundância e fruta fresca, para que ele o pudesse habitar e, a partir de uma das suas costelas, a mulher para que ele a pudesse... bom, criou-a!

E depois Deus disse à sua criação, com voz de trovão: "Agora ficas aqui, sem fazer nada a gozar a boa vida e não chateias! Podes passar o dia todo a dormir e a fazer o que te apetece, que não te vai faltar comidinha para comer, nem mulher para... aham... te fazer companhia! Vou chamar-te deputado, minha criação! Agora vai descansar, que já me estás a ouvir há quase 1 minuto e eu sei bem o que isso cansa! Ah, e antes que me esqueça: não comas as maçãs, porque estão bichadas...o resto é à fartazana!".

E o homem, que, graças a Deus, não era lá muito esperto, viveu feliz no jardim do Éden, dividindo o seu tempo entre o descanso absoluto e a tranquilidade reconfortante de não fazer nada. A sua alma era pura e limpa de pecados e a sua alegria genuina!

As únicas manchas nesta felicidade celestial eram a chata da mulher, sempre a queixar-se da inexistência de "um sitio onde se possa comprar um trapito para vestir, porque estou farta de andar com estas parras a tapar as vergonhas" e a falta de sport TV para ver a bola que, de qualquer das formas, ainda não tinha sido inventada (embora não fosse vivida com menos emoção).

Quem também por lá andava era a serpente - que na realidade era o demónio astuciosamente disfarçado e não um vulgar réptil rastejante, incapaz de dizer o primeiro 'R' na palavra "programa", como toda a gente pensava - que, ao ouvir estes queixumes, disse à mulher com a voz rouca e forçada de alguém em permanente tensão intestinal:

- Comes as maçãs e tudo isto muda! Em menos de nada, faço disto um oásis pejado de autoestradas, subsidios à falência e lojas de roupa de marca! E, ainda por cima, em saldos com 100% de desconto, porque aqui no paraíso o dinheiro e a ganância não passam de palavras estranhas e sem significado! Aliás, eu que sou eu, só domino estes conceitos complexos, porque sou professor de economia, com o curso feito em Inglaterra! Os portugueses conhecem-me! Deixa-me trabalhar! Vai uma fatiazita de bolo rei?

Naturalmente, perante estas promessas aliciantes, a mulher acabou por dar uma trinquita na maçãzita, apesar de não fazer ideia do que seriam as autoestradas, o dinheiro, a ganância ou o bolo-rei.

Como por magia, o paraíso encheu-se de lojas da Prada, Gucci e Versace, onde se podia ir buscar roupa à vontade! As autoestradas apareciam por todo o lado, como cogumelos num equipamento desportivo que, por lapso, passou uma semana escondido num canto, em vez de ir para lavar.

O clima económico era favorável, o investimento público era forte e, por todo o lado, as empresas, agora conhecidas como "dótecómes", abriam e faliam alegremente, soterradas em generosos subsidios, para dar lugar a velozes e não menos generosos Ferraris.

Deus é que não achou piada nenhuma:
- Não disse para não comerem as maçãs? Agora, com esta despesa toda, vou ficar com um deficit enorme! Felizmente tive uma ideia brilhante, ousada e original, para o combater que, aposto, alguém menos divino do que Eu seria incapaz de conceber: para combater o deficit, vou reduzir os custos e aumentar as receitas! É ou não é de génio? E, para começar, vou instituir e imediatamente aumentar os impostos!
- Não sei do que falas, mas...
- Nada de mas, acabou a boa vida do paraíso! Agora trabalhas e pagas impostos que te lixas! Estás manchado pelo pecado original! Até te vou mudar o nome: deixas de te chamar deputado e passas a ser conhecido por "trabalhador por conta de outrém"!
- Mas eu não comi as maçãs, nem tive nada a ver com isso... a cobra é que convenceu a gaja... e Tu sabes como são as gajas...
- Isso a mim não me interessa! Só a criei, porque tu pediste! Por isso, bico calado enquanto eu penso num castigo tótil para vocês!
- Tótil?

Ao escutar as palavras venenosas do demónio, o homem tinha condenado a sua alma suplícios inimagináveis. Deus não esqueceu o Pecado Original e lançou sobre o homem a Sua ira. Os martirios inflingidos foram numerosos e cruéis, pois grande era a ira do Senhor: a "música" dos d'zrt, as aparições televisivas da Manuela Ferreira Leite, ou as declarações de Alberto João Jardim.

Só quando o Filho de Deus, o Special One, que caminhou sobre a terra, trazendo a Sua mensagem ("Quero é ganhar!") e realizando numerosos milagres, se sacrificou pelos homens, tornando-se seleccionador nacional, é que a mancha do pecado foi expurgada para toda a eternidade e todos os homens recuperaram a sua condição de deputados...mas isso é uma história para outro testamento menos antigo!